O primeiro trabalho solo, Mamba, lançado no mês passado, marca uma nova fase na carreira e na vida da cantora, instrumentista e, agora, produtora musical. Uma mulher em movimento.
Gustavo Ferreira
Clipe novo de Mamba, faixa-título do disco solo de Sammliz.
Ela não gosta de falar em fins ou recomeços. Faz sentido, já que Sammliz nunca parou de pensar, compor, criar, fazer música, na frente ou atrás dos palcos onde esteve por mais de uma década (daí vem sua boa autodefinição: uma criatura dos palcos). E seu retorno ao front stage tem data marcada: o próximo dia 9 de setembro, para lançar o Mamba [OUÇA O DISCO COMPLETO AQUI], primeiro trabalho solo, disponível na internet desde agosto pelo selo Natura Musical, com direção artística de Miranda e produção de Leo Chermont (Strobo), João Lemos (Molho Negro, Blocked Bones) e da própria Sammliz. Dez canções (sendo nove autorais e uma charmosa versão), resultado de anos bebendo em diversas fontes musicais. Em entrevista ao Repórter E, ela fala dessas referências, das mudanças, de outras mulheres na música paraense, de ciclos e movimentos. Sammliz não para.
REPÓRTER E: Sammliz, foram pouco mais de dois anos da tua saída do Madame Saatan até o Mamba. Nesse tempo todo foram várias experimentações musicais e pessoais. O que esse período te trouxe como artista, e como tu conseguiste imprimir essas experimentações no disco?
SAMMLIZ: Já estava compondo material pro meu disco ainda em atividade com o Madame Saatan, morando em SP. Com meu desligamento e consequente fim da banda, passei a focar totalmente no projeto e nas experimentações sonoras para chegar no material que lancei. Esse período de afastamento de tudo que fazia antes, dos palcos, e uma completa reviravolta pessoal, foram necessários para que eu pudesse olhar melhor pra mim e pudesse enfim imprimir o que eu gostaria no meu som.
REPÓRTER E: No Mamba teu som surge diferente, mais eletrônico do que nunca. De onde vieram essas inspirações? Quem são tuas referências pra essa nova fase, em voo solo?
SAMMLIZ: Sempre gostei de música eletrônica e pop, sempre fizeram parte do meu repertório de audições regulares. Referências do industrial, electro rock, synthpop, house, techno, o que rola hoje em dia na música eletrônica, incluindo popzão que toca em FMs… Fatalmente isso iria aflorar em um trabalho meu, de alguma forma. Não seguro nada.
REPÓRTER E: Uma dessas referências é a versão de “Quando Chegar o Amanhã”, clássico do nosso brega romântico na voz de Leonardo Sullivan. Conta como chegaste a essa música, e como foi transformar os arranjos em algo completamente novo?
SAMMLIZ: Gosto desses bregas antigos e sempre quis fazer outra versão para essa, em particular, por que tenho um lance de infância com ela mesmo. Em uma das muitas noites que passei gravando ideias de músicas, lembrei dela e comecei a experimentar arranjos junto ao Leo Chermont. Tom Waits, Leonard Cohen foram algumas das referências para ela, em cima de uma sutil levada no baixo inspirada no lundu.
REPÓRTER E: Acho que o termo “girl power”, mesmo batido, é absolutamente cabível ao teu trabalho novo. Ouvir o Mamba é ouvir o estabelecimento de uma mulher em transformação, em um mundo que ainda tem muito a mudar. Quem é essa mulher Sammliz, que recomeça a partir de agora?
SAMMLIZ: Bem, não acho que estou recomeçando a partir de agora. Não existe linha de partida e chegada e os ciclos não tem uma cabeça e rabo definidos. O processo está sempre rolando. É um disco bastante pessoal, mas prefiro não destrinchar minhas “traduções” e deixar o ouvinte se apropriar daquilo que entender do que tentei, ou quis, dizer. Cada um da sua forma. Prefiro que tomem pra si. A mulher que sou agora não é a mesma de amanhã, mas certamente continuará sendo alguém em busca de si mesma, das suas pequenas transformações, procurando se unir aos que se encontram na mesma vibração, se inspirando e tentando inspirar mudanças.
REPÓRTER E: A cidade vive um momento de forte produção autoral, especialmente feminina, na música, e certamente figuras como a Marisa (Brito, A Euterpia) e você marcaram uma geração e são referências. Quem da geração de hoje chama a tua atenção por aqui?
SAMMLIZ: Há muitas mulheres, entre cantoras e musicistas, produzindo trabalho autoral na cidade. Quando fui montar a banda que vai me acompanhar nos shows, fiz audições com algumas baixistas e durante a busca por elas descobri o quanto tem de menina começando e tocando em bandas de garagens por aí. Isso me deixou muito feliz, por que cresceu bastante a presença feminina tocando instrumentos. A baixista que está tocando na banda comigo é a Inês Fernandes, que está acabando de produzir seu primeiro EP, e olha, ta muito bom. É alguém com trabalho com uma assinatura particular que tem minha atenção e que aposto. Dessa nova geração, mas que já está consolidada, gosto muito do trabalho da Luê. Também estou esperando por um disco à altura de Nanna Reis e Keila Gentil, duas forças da natureza. Tem muita gente boa fazendo música aqui, como Ana Clara, que tem um disco que adoro, Marisa Brito, meninas começando muito bem, tipo Lari Xavier, Liége, Lívia Mendes, Camila Barbalho… E ainda há as mulheres que estão atuando no underground como as bandas Klitores Kaos, Valkyrias e tantas outras. Me enxergo em cada uma delas. Nosso Estado parece que realmente é uma nação de cantoras.
REPÓRTER E: E tua sede de palco? Faz tempo que não encabeças um show, e teu retorno vai ser aqui em Belém, com teu público que vai desde os tempos de Morgana, Barbarella, até uma galera que nunca te viu ao vivo. Pra ti, que viveste um tempo em São Paulo e já rodou por tantas cidades, o que significa voltar em Belém?
SAMMLIZ: Sou uma criatura dos palcos. Descobri a mágica que é trampar em estúdio, e não quero nunca mais largar disso, mas o palco é um lugar realmente especial pra mim. É onde me sinto em casa, acolhida, onde posso trocar verdades, segredos e energias com as pessoas. Amo SP, vivi muita coisa importante lá, sempre vou considerar uma casa também, e não descarto inclusive voltar a morar lá. Não descarto nenhuma possibilidade, aliás. Mas esse disco, esse primeiro, só poderia nascer aqui, nessa cidade que fez de mim muito do que sou.
“Sou uma criatura dos palcos.”
Sammliz
REPÓRTER E: Depois do show de lançamento, o que tens planejado pro Mamba e pra tua carreira?
SAMMLIZ: Tem show de lançamento em Belém agora dia 09 de setembro, em outubro datas em BH e SP, e tenho mais dois shows em eventos muito bacanas aqui em Belém, que logo serão divulgados. Disco lançado e torço por muitas portas abertas, muitos novos caminhos, e que eu possa mostrar bastante esse trabalho por aí.
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